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sexta-feira, 28 de junho de 2013

☑ O DESPREZO, de Jean-Luc Godard

 
Por dentro do cinema

"Le mépris"
França, Itália (1963).
De Jean-Luc Godard, com Michell Piccoli, Brigitte Bardot, Jack Palance e Fritz Lang.
Argumento de Jean-Luc Godard, baseado no Romance de Alberto Moravia "Il Disprezzo" (O desprezo), de 1954. Fotografia: Raoul Coutard. Música instrumental de Georges Delerue.
Drama.103 minutos. Cor.
Sinopse:
No processo de preparação de um filme sobre a Odisseia, realizado por Fritz Lang, discordâncias entre o realizador e o produtor americano Jeremy Prokosch (Jack Palance), levaram a que fosse contratado o escritor de novelas policiais, Paul Javal (Michell Piccoli) para a elaboração do guião. Camille (Brigitte Bardot), a mulher do argumentista, é assediada pelo produtor, aparentemente com a complacência interesseira do marido, acabando tal facto por minar o seu casamento.
 
Um filme sobre um filme ou o cinema visto por si próprio. 
O início do filme, sem créditos legíveis, substituídos pela voz em off do próprio Godard que exibe os meios técnicos na rodagem do filme, é a prova desta desconstrução e auto-crítica do processo cinematográfico, exposto por dentro das suas contradições e desmontado dos seus artificialismos e clichés, que faz parte do genoma da "nouvelle vague" e do "cinema verité". 
Neste seu sexto filme, Jean-Luc Godard, não esconde o incómodo por uma grande produção, a cargo de Joseph Levine, que lhe impôs uma técnica que abominava (O cinemaScope) e algumas extravagâncias comerciais, como a cena erótica com  Brigitte Bardot no início do filme. Estes constrangimentos deram-lhe o mote para de forma cínica e mordaz, desenvolver em negativo a apologia do cinema de autor. 
Fritz Lang, o grande cineasta alemão - um diretor alemão, porque um alemão descobriu Troia, explicou-nos a certa altura, o arrogante produtor americano... Lang, ele mesmo, já práticamente cego, oferece-nos neste filme, uma rara presença  de mestria e genuinidade e só por isso, o filme já valeria o "bilhete". Representa a pureza do "cinema de autor", permanentemente sujeito às interferências e adulterações externas a cargo dos interesses comerciais dos grandes estúdios e de argumentistas bem intencionados mas impreparados.
A história da desintegração do casamento de Paul e Camille, casal magnificamente composto por  Piccoli e Bardot, é contada  em paralelo e aqui e ali com algumas tangentes e secantes com subtexto filosófico em fundo, com a lenda de Ulisses e Penélope na Odisseia, o tema do filme rodado dentro do nosso filme. Movida por intuitos  comerciais, a produção, estimula um carácter mais comercial do guião, ao optar pela  tese revisionista  defendendo que Ulisses, demorou 10 longos anos a regressar  a Ítaca, não porque estivesse traumatizado pela guerra e se perdesse pelo caminho, mas ao invés demonstrando um profundo ressentimento  pelo desprezo a que teria sido votado por Penélope antes da guerra.
Uma fotografia preciosa de Raoul Coutard, assente numa palete minimalista de vivíssimas cores primárias, realçando em fundo as bem estudadas coreografias do casal Paul e Camille, no seu apartamento, em longuíssimos takes, no que pode ser encarado como influência de Antonioni e da sua trilogia da alienação.
Interessantes são ainda os aspetos técnicos de uma montagem à "nouvelle vague", com a incorporação de "flaschbacks e flasforwards" contrastando com a longa duração das tomadas, bem com o uso da música  como fundo dissonante no processo de dissolução afectiva.
E claro, fica muito bem neste retrato crítico sobre o cinema, uma revisita nostálgica à cinecittà romana, distante  dos seus tempos de esplendor... 


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