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domingo, 5 de maio de 2013

☑ VIRIDIANA (1961), de Luis Bunuel

Perdoai-lhes senhor, porque não sabem o que dizem
***




Apresentação

Palma de Ouro em Cannes (1961).
Considerada uma obra prima, pela generalidade da crítica. 
A associação de críticos  de Espanha, considera-o o melhor filme espanhol de sempre.
Com Silvia Pinal, Francisco Rabal e Fernando Rey.
1961. 90 minutos. Preto e branco.


Crítica
Este filme funciona do meu ponto de vista pessoal, como um
"case study", porque livremente me excluo do exército de crentes que o venera.
Antes de mais nada, devo dizer que acho incontornável e aprecio moderadamente o cinema de Luis Bunuel, desde os anos 70, quando vi pela primeira vez, "A Via Láctea". E digo "moderadamente", porque apesar de aplaudir o seu espírito livre e subversivo e a sua vasta cultura e imaginação febril, que se expressam em histórias singulares de uma memória viva e embebidas de uma perspicácia e de um humor corrosivo, características que no seu conjunto, são dificeis de inventariar nos realizadores da sua geração, no entanto não partilho a sua visão do mundo.
Devo dizer, antes de novas considerações, que em termos religiosos, me defino como não crente e não acho que, para esta questão tão pessoal e íntima, me deva servir de qualquer cartilha dos inúmeros bandos de incréus que pululam por este mundo, desde o iluminismo e que inchados de uma vaidade incomensurável, se acham investidos de uma missão quase divina, de por um lado, catequizar os não crentes e por outro, ainda de forma mais patética, arrepanhar para o seu infalível e maravilhoso ideário, os infelizes crentes que professam de forma para eles errónea, qualquer religião.Proselitismo que ultrapassa em muito o das religiões que apoucam ! Claro, que se desculpam desta gritante falta de humildade, com um amor acrisolado àquilo que eles chamam de razão e verdade. E quando estes argumentos, não chegam para emocionar a turba, esses próceres filhos das luzes, deitam mão de tudo o que lhes servir para descredibilizar as opiniões contrárias e é vê-los aí nos IMDB e blogs de crítica a espumar e a esporrar contra a pedofilia e os escandalos do Banco Vaticano e afins, lado a lado com o arrazoado pseudo-racional da ordem.
Que é que isto tem a ver com cinema e em especial com o filme de Bunuel, perguntar-me-ão.
Tem e não tem…
Tem, porque basta fazer uma consulta das críticas deste filme ao IMDB e blogs de crítica, para ver que está lá tudo o que foi dito. Um "crítico" da Índia, diz que este filme é sobre uma experiência religiosa errónea, deduzindo-se  que considera errados os impulsos de caridade cristã e certa a postura da religião da terra dele, face à extrema injustiça e obscena pobreza do seu país.
Um crítico num blog, eructa a seguinte pérola: " Na memória fica a altivez moral da noviça Viridiana (Pinal), que se recusa a dedicar uma mínima dose de calor humano ao tio (Fernando Rey). Após a morte dele, decide acolher mendigos, prostitutas, leprosos e vagabundos das ruas, arrebanhando-os para morar consigo, na esperança de fazê-los trabalhar, de “corrigí-los”. Perspicaz, Buñuel escancara a hipocrisia autocomiserativa, a falsa culpa – em vez de solidariedade – de onde nasce o ímpeto de caridade de idealistas ingênuos". 
Confesso que fiquei baralhado… li e reli, o texto para verificar, de facto, se a altivez moral se referia à única personagem humana e decente do filme…
Quanto ao calor humano que ela recusou ao tio, apenas foi um sábio sexto sentido que a norteou, como se pôde ver claramente no filme. O impulso de retirar da rua e dar valor àquele bando de infelizes, poderá até configurar um acto de ingénuo idealismo, mas "hipocrisia autocomiserativa" ?! - em vez da solidariedade, realça-se - Então, o que é essa porra de solidariedade ?! É dizer-lhes: "têm toda a minha solidariedade, mas nós não fazemos hipocrisia autocomiserativa, se quiserem comer, esperem que as condições sociais sejam mudadas por nós, OK ?!"
Bunuel, de facto questiona os fundamentos da moral e da caridade cristã e admite-se que os rejeite, porque na sua perspectiva, a natureza humana e os instintos básicos que lhe subjazem, opõem-se-lhe de forma insolúvel. E este pessimismo no filme é tão chocante, que não há sequer um mendigo que escape a esse anátema de Bunuel ! Bem confessou Bunuel o seu ódio à estatística mas ninguém lhe ligou : 100% de mendigos crápulas !  
A cena do cão libertado também é paradigmática. Por um cão libertado à ignomínia, um outro infeliz é imediatamente visualizado. Qual é o ponto ? Que é escusado salvar um cão, porque há milhares em idênticas condições? Bom, fiquemos por aqui…
Para mim os fundamentos defendidos por Bunuel, só são parcialmente válidos. E não vou pelo conceito da "Graça" defendido pelo catolicismo, vou mais pelos enunciados da razão, que quando convém, parece que são deitados ao lixo. É evidente que em grande parte o filme não passa de uma caricatura e sabe-se bem o que Bunuel quis fazer com isso: questionar os princípios da organização social e os fundamentos da moral cristã. 
Que o que sucedeu com Viridiana, estilhaçou grande parte do seu suporte da fé, isso é um facto evidente na sequência final do filme. Agora daí extrair outras consequências, incluindo a delirante "menage a trois", que muitos conseguem visualizar no final , isso só se fôr numa putativa sequela do filme ou na puta das suas escabrosas cabeças…
Que Bunuel se divirta com a iconoclastia da última ceia e que isso divirta o pagode - até eu me diverti - tem todo o direito e só vê quem quer. O que se critica aqui é a excessiva altivez e a superioridade moral, dos sem moral, que emergem triunfalmente da cena.
Quando Bunuel referiu, já no fim da sua vida, que se pudesse destruía todas as cópias de todos os seus filmes, isso foi interpretado como um exagero à escala surrealista do autor. Ninguém deu de barato, o ar de auto-crítica, que  poderá estar implícito nessa frase, negando-se a um homem genial a humildade e a possibilidade de rever a sua vida, como foi concedida e muito aplaudida a Viridiana.

1 comentário:

  1. Preferia uma maior concentração de energia nas considerações sobre o filme em si o seu contexto e menos esse arrazoado de considerações sobre a hipotetica mensagem do filme.Digamos que condenar a razão como ponto de partida para a critica ao fenomeno religioso é perigoso.Se contarmos as vítimas da religião e as que teraõ resultado da sua ausencia(Naõ confundir com ideologias) ficamos com uma ideia do exagero com que aqui se fala dos que de alguma forma questionam as diversas formas de fé.
    Hoje o ataque ao politicamente correto vem muitas vezes mascarar sentimentos nao são efetivamente defensaveis.Este é um dos casos.Fala como se de fato vivesse-mos uma ditadura agnostica e não uma sociedade em que a moral dominante e opinião e as Fatimas são a regra.Falemos antes de cinema.

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